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“Seja Dono do Seu Passe” , sugere Nelson Savioli, o Samurai de recursos humanos do Brasil. O mais Oriental dos Ocidentais

In Entrevistas on julho 17, 2009 at 7:48 pm

POR MARCELO GUIMARÃES

Universitário ADM/ UFRJ

Nelson Savioli, rodeado por seus livros: "Quanto mais cedo o universitário buscar ser dono do seu passe, e gerir sua carreira, melhor." Escrito no início de 1990, Carreira: Manual do Proprietário é referência extremamente atual.

Nelson Savioli, rodeado por seus livros: "Quanto mais cedo o universitário buscar ser dono do seu passe, e gerir sua carreira, melhor." Escrito no início da década de 90, Carreira: Manual do Proprietário ainda é referência extremamente atual.

Principal propagador do Planejamento Estratégico de Carreira no Brasil, com o lançamento, na década de 90, do livro: Carreira – Manual do Proprietário (Seja Dono do Seu Passe), que difundiu o PVC – Planejamento de Vida e Carreira, assunto considerado atualíssimo e necessário na atual dinâmica do mercado de trabalho, enfatizando que o individuo “Deve Ser Dono do Seu Passe”, e ser o principal responsável em gerenciar a sua carreira, e não a empresa, Nelson Savioli, Superintendente Executivo da Fundação Roberto Marinho e Presidente do Conselho Deliberativo da ABRH/ RJ, é o mais oriental dos ocidentais. O Samurai de Recursos Humanos do Brasil.

Com a sua “ignorância atrevida”, convida o leitor a compartilhar seus haicais (poesias japonesas) em seu livro: “Burajiru” da seguinte forma: “É possível para um brasileiro, que não descende de japoneses, escrever haicais minimamente aceitáveis nos moldes da tradição dos mestres dos séculos XVII e XVIII?” No seu caso, parece que sim. Por isso, o mais oriental dos ocidentais. Disciplina, clareza, foco, espírito de equipe, honra, liderança, capacidade de auto superação; considerada características dos grandes Samurais, são valores que também norteiam a sua atuação. Apreciador da cultura oriental, parece que o último tema do Congresso da ABRH/ RJ: Além do Ocidente e Oriente-  Uma Nova Inteligência para a Gestão Convergente, foi feito especialmente para ele.

Formado em Direito pela PUC/ SP, Nelson, não exerceu advocacia, atuou como executivo de recursos humanos da Alcan, Bosch, Johnson & Johnson, Rhodia, O Globo, Mappin, Unilever e  Fundação Roberto Marinho. Na Alcan lembra até hoje a sua “aprovação com restrições”.  Isso faz com que lembre a importância de se aprender com os erros, próprio e de outros. Tema central do seu livro Fracassos em RH – E Como se Transformaram em Casos de Sucesso.

Nessa entrevista exclusiva concedida ao universitário Marcelo Martins Guimarães para o seu Projeto de Pesquisa: Integração Universidade – Empresa: A Importância da Formação Universitária Multidisciplinar, Savioli destaca a importância de adaptar e antecipar o Planejamento de Carreira no âmbito das universidades para ajudar os estudantes a planejarem sua carreira e orientarem melhor os seus estudos, permitindo maior integração entre o ambiente acadêmico e profissional, e explica como organizações de culturas diferentes como Johnson & Johnson, orientada para o marketing, e Rhodia, orientada para produção/ engenharia, lidaram com o Planejamento de Carreira.

Com a palavra, ou melhor, com os Haicais, o “Oriental” sem “olho puxado”, “A Quem Interessar Possa” (atividade voluntária de RH difundida por ele nas empresas, destinada a aumentar o quadro de referências culturais dos funcionários, inclusive Haicais), Nelson Savioli.

Como surgiu o Planejamento Estratégico de Carreira no Brasil? A Johnson & Johnson foi pioneira ou você trouxe essa metodologia de outros lugares?

N. Savioli: De outros lugares. Quando você tem uma influência muito grande dos livros e das empresas norte americanas funcionando no Brasil, principalmente no eixo São Paulo-Rio. Influência menor das empresas européias. Estas, tinham mais influência no planejamento estratégico. A SHELL, por exemplo, fazia planejamento estratégico para décadas – Planejamento Estratégico de longo prazo. A ABTD – Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento fez o Congresso Mundial aqui no RJ, na década de 80 e eu dei uma Palestra sobre Planejamento de Vida e Carreira. Até hoje faço Palestras no Congresso Estadual da ABRH sobre o tema. Na década de 90, resolvi escrever um livro dirigido ao público em geral. Ficou muito grande, joguei metade fora, para interessar ao público leigo. Vendeu que nem pão quente. 3 Edições. Essa é a história do livro. Depois, a Internet foi ficando mais forte. A PUC -RS pegou o livro e colocou no seu site, democratizando o conhecimento, o que me deixou muito contente. Fora do Brasil, os que utilizaram, começaram a me mandar cópia. Tenho até em Mandarim. No Brasil, “Manager’s” de grandes empresas multinacionais começaram a utilizar. Foi um “boom”, que extrapolou os meios universitários, disseminando em toda a sociedade. Todos os Cursos de Administração fazem referência ao livro. O livro não tem nada de original. Só trabalhei em cima de coisas que já estavam sendo praticadas.

Como funcionava na Johnson & Johnson?

N. Savioli: A Johnson & Johnson foi uma das pioneiras no assunto, que vinha das matrizes e era “tropicalizado” aqui. Eu era Diretor de RH e num Seminário sobre Administração de Talentos, a 1ª atividade era pensar a carreira e a vida de cada funcionário, individualmente. Queríamos saber se desejavam continuar na empresa ou sair. Houve protestos na platéia. Mas o desafio partira da própria empresa e, se o funcionário desejasse continuar, seria um funcionário muito melhor. No último dia do Seminário, o camarada entendia a proposição feita: a carreira era do profissional e não da empresa. Foi daí que eu puxei bem esse negócio: a carreira é do indivíduo. Por isso, “Seja Dono do seu Passe.” Atualmente perdeu-se um pouco essa perspectiva, com a competição desenfreada entre Manager’s. Quando o profissional sente que é mortal, volta ao psicanalista. As empresas também têm esse sentimento. Inúmeras vezes em palestra na GV São Paulo, eu perguntava para a platéia sobre empresas que consideravam referência. De acordo com a época as opções variavam. Na época muitos falavam, GM. Eu dizia: não irá existir daqui a tantos anos. A platéia ficava estarrecida. Deveriam pensar: “o que esse doido veio falar de abobrinha aqui para gente?!”  Esse assunto enfurece as pessoas, ligam muito suas vidas às empresas.

O mais Oriental dos Ocidentais. Haical do "Samurai" Savioli: "Abro o panelão. Meu avô retorna nos cheiros do seu Portugal." Provérbio japonês, adotado pelos portugueses: "Quem viaja por prazer acha tão distante um como mil quilômetros."

O mais Oriental dos Ocidentais. Haical do "Samurai" Savioli: "Abro o panelão. Meu avô retorna nos cheiros do seu Portugal." Provérbio japonês, adotado pelos portugueses: "Quem viaja por prazer acha tão distante um como mil quilômetros."

Como funcionava na Rhodia?

N. Savioli: A Rhodia é uma empresa muito grande no mundo todo, no ramo de Química e Fibras Têxteis. Quando foi encampada pelo Governo Socialista de François Mitterrand, virou estatal, forte em Gestão, dominada por Engenheiros. Era uma “engenheirocracia”. Nas reuniões de Diretoria eu era o único não Engenheiro. Até o diretor jurídico era engenheiro. A Rhône-Poulenc já tinha um sistema de administração de RH e várias práticas ligadas à carreira, mas muito mais ligado ao formalismo francês. A Rhodia, no Brasil, era muito forte, responsável por 25% do lucro, mundialmente. A Rhodia Brasil fazia muitas coisas em RH à frente da matriz. A gente fazia um mapa, onde colocávamos, no eixo vertical, os níveis hierárquicos até a alta gestão, e no eixo vertical o tempo do funcionário na empresa. Plotando-se os dados, via-se a velocidade/aceleração do funcionário na empresa. Tínhamos também um Centro de Avaliação de Potencial.

Em que consistia esse Centro de Avaliação de Potencial da Rhodia?

N. Savioli: Era um Laboratório, dentro da empresa, onde se colocavam as pessoas, passavam-se alguns cases e observava-se a reação delas, avaliando seus potenciais. Analisavam-se as competências em que iam bem e aplicava-se uma nota. Isto servia para a ascenção na empresa.

O que foi o Processo Rhodia de Excelência – o Prhoex?

N. Savioli: Foi um processo de revisão e mudança de Cultura Organizacional da Rhodia para prepará-la para um novo ambiente competitivo. Como era oligopólio, não tinha esta cultura. Eu tinha 80 subordinados na área de RH central, fora as fabricas. Tivemos que mudar competências. Reduzir níveis hierárquicos. Rever processos. Voltar a empresa para o cliente. Edward Deming foi um dos nossos consultores nesse projeto.

A Rhodia que dinamizou o mercado de moda no Brasil?

N. Savioli: Foi isso mesmo. Como a Rhodia era fornecedora de fibras têxteis para a indústria têxtil, tinha que fazer a imagem da Rhodia no mercado da moda, porque isso ajudaria a vender para as empresas transformadoras de tecidos  lá na frente da cadeia, que teriam sua demanda ampliada. O que era uma idéia genial. Na década de 40 promovia Feiras, os grandes desfiles. Só que, quando a Rhodia foi crescendo a parte química e de fibras têxteis, que já era enorme, isto foi ficando muito pequeno, embora fosse muito rentável, tinha que desfazer-se desse negócio, que era bem complexo. E o principal problema é que desviava o tempo gerencial dos Executivos, desviava o foco. Então, resolveram vender para a Valisère, que é a marca até hoje, da família Rossetti. Na época, o presidente Edson Vaz Musa foi muito criticado, porque dava lucro, mas dentro do Complexo Rhodia, era dispensável, até porque desviava o foco.

O que foi o programa Portas Abertas da Rhodia?

N. Savioli: Quando o Edson Musa assumiu a presidência, a Rhodia era uma empresa muito fechada. Então o Walter Nori, que é um cara genial, estimulou a abertura. Ele passou a treinar os executivos da empresa a não fugirem da imprensa, mesmo que a noticia fosse negativa. Nos recursos humanos, por exemplo, se acontecesse um acidente com morte dentro de uma das fábricas da Rhodia, a imprensa seria avisada imediatamente. Isso criava uma boa vontade da imprensa com a empresa. Tínhamos muita greve nessa época, de CUT, Lula, ABC. O Musa tinha uma visão toda especial com relação à greve: ele, ao invés de tentar impedir a greve, incentivava o empregado a ir à Assembléia da CUT que, na época, estava se fortalecendo, para que lá ele demonstrasse pelo voto, que não queria fazer greve, e não, a empresa.

Ele comentava: “Nelson, temos que acabar logo com a greve, estamos perdendo dinheiro.” Eu indagava: “Mas você não está ajudando?”.E ele, “e nem vou ajudar.” Este era bem o espírito do Portas Abertas. A imprensa publicava “Presidente da Rhodia diz que não é para furar greve.” Isto contrariava todo o senso comum das diretorias das empresas.

A área de Relações Industriais era muito atuante neste período?

N. Savioli: Era bastante. Na Rhodia tínhamos uma Área de Ecologia Social.

Como funcionava esta área de Ecologia Social da Rhodia?

N. Savioli: Era ligada à Área de Relações Industriais. Uma pessoa acompanhando a Ecologia da Empresa. Relacionava-se com personagens que influenciavam os trabalhadores, sem ter ações, por exemplo: padres, radialistas, entre outros. Tinha um Gerente, o Jose Emídio Teixeira, que reportava a mim, trabalhando junto deste publico. Por exemplo, tinha um radialista que era muito popular junto aos funcionários. Imagina se no seu programa ele declara: “Grupo de exploradores esses franceses, enquanto ficam degustando champanha com caviat, deixam os trabalhadores, comendo pão com mortadela.” O impacto negativo seria enorme junto ao público. Com uma atuação mais ativa junto desses “stakeholders” gerenciava-se, por antecipação, o conflito Capital-Trabalho. Era muito interessante. Circulava junto dos lideres sindicais e da diretoria da empresa. O nome Ecologia Social não emplacou e alteramos para Desenvolvimento Social.

E sua experiência no O GLOBO?

N. Savioli: Na época do O Globo, em 1991, a Marluce Dias da Silva, me convidou porque precisava mudar a cultura do Jornal, e eu tinha passado por experiência similar na Rhodia. A Booz Allen ficou responsável pela parte comercial, a Andersen Consulting pela parte de sistemas/ computação e eu pela mudança da Cultura Organizacional. O Dr. Roberto já tinha quase 90 anos e os filhos estavam tomando pé nos negócios. O Dr. Roberto já trabalhava pouco, mas ia diariamente ao jornal, pela manhã. E as pessoas que trabalhavam há quase 50 anos com ele, eram resistentes à mudança. O João Roberto deu-me o prazo de 3 anos para realizar a mudança. O maior desafio foi a Redação. O Diretor de Jornalismo da época era o Evandro Carlos de Andrade e eu me dei muito bem com ele. No início, foi difícil fazer com que os jornalistas entendessem o processo, mas, aos poucos, as mudanças foram acontecendo. O “pulo do gato” foi o seguinte: se a gente melhorar os processos, romper com alguns dos seus paradigmas, sobrará mais tempo para vocês se comunicarem com as fontes, mais tempo para estudarem e se aperfeiçoarem. Entramos com um Processo de Qualidade na Redação, em vez de eu falar com eles o que ia fazer, eu fazia junto. Os Editores (Gerentes) não cuidavam do seu próprio orçamento financeiro na época, aprenderam a ganhar bônus por performance. Foi um case de sucesso.

E na Unilever?

N. Savioli: A Unilever é uma multinacional Anglo Holandesa. Cultura totalmente européia, e marketing oriented. Nós adaptávamos as coisas para o Brasil, fazíamos vários processos, mas o mais importante era o programa de Trainee. Não existe um Presidente da Unilever que não tenha sido Trainee. Na minha época, nós trazíamos 40 Trainees, precisássemos ou não de substituir gente dali a um ano e meio. Considero o Programa de Trainee  da Unilever um grande exemplo porque forma Presidentes lá na frente; injeta sangue novo todo ano, mesmo que não  precise; a  promoção é por meritocracia; a seleção de trainees é um verdadeiro laboratório, observado pelos Manager’s e trabalha com potencial, sem preconceitos quanto a formação, a universidade, a localização da pessoa.

Como aproximar mundo universitário, mundo-corporativo?

N. Savioli: Os Reitores têm que diminuir os muros construídos em volta da Universidade e aproximá-la da sociedade, do desenvolvimento do País. Creio que os Empresários estão mais prontos a conversar sobre isso. Eu vejo a UNICAMP: a Rhodia fechou seus pequenos Centros de Pesquisa e construiu um centro lá na UNICAMP. Outro ponto que deve continuar fortemente são os centros de integração, como o CIEE. Licença Sabática: o professor tem uma licença de 6 meses para exercitar-se dentro de uma Empresa, e a Universidade convidar Empresários para dar Palestras ao alunado poderiam ser positivos.

Como você avalia o uso do Planejamento Estratégico de Carreira na Universidade para uma maior integração com as empresas?

N. Savioli: Deveria ter um exercício para os estudantes, como na Johnson & Johnson: o que eu quero fazer para minha vida daqui a 5 anos? Deveria ser institucional nas universidades. Nas Universidades americanas tem um “Placement”, espécie de escritório que recebe as empresas interessadas em contratar os estudantes. Deveria ter algo parecido nas universidades brasileiras, com a função precípua de ajudar os estudantes a planejar suas carreiras, informar sobre matérias eletivas, fazer disciplinas como ouvintes, saber com antecedência as competências que serão demandadas futuramente pelas empresas. Uma espécie de escritório para tratar de assuntos de carreira do estudante, integrados a empresas, professores, público em geral. Realizar seminários. Um exemplo interessante é a atuação da Rhodia. Ela tem uma forte ligação com universidades, principalmente, a UNICAMP. Desenvolve pesquisas junto, há uma integração de objetivos. Nos Estados Unidos isso ocorre regularmente.

O Plano Diretor da UFRJ 2020 propõe a concentração de todos os cursos de graduação na Ilha do Fundão com o objetivo principal de estimular formações mais generalistas e multidisciplinares, ao invés de técnico – especializada. Qual a sua visão sobre isso?

N. Savioli: É por aí. Comparando com a USP, eu tenho a impressão que a USP foi mais firme em colocar todos os cursos num único campus, a exceção do Direito e da Medicina. Isso facilita o intercâmbio acadêmico multidisciplinar. Eu não chamo de generalista, mas de multiespecialista.

Como você avalia esta formação piloto em Administração de Empresas e Comunicação do qual participei?

N. Savioli: É uma necessidade. O mercado precisa. Seria mais uma fonte de recrutamento Mas só funciona se você tiver várias empresas do mesmo setor para topar isso. Uma só empresa não vai dar certo. O interesse com certeza existe. As empresas do setor como Editora Abril, Folha de São Paulo, Estadão, O Globo, entre outros, teriam interesse. Teria que ser feito um trabalho conjunto para desenvolvimento profissional nessas empresas. Dependerá de como elas estão organizadas.

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